Primeiro: Quem vier a ler isto, é porque não tem mesmo nada para fazer!
Desta vez a nostalgia que me invade a mente é bastante maior. Desta vez já tenho os contratos assinados, e venho por mais tempo. Já não volta a dar. A decisão está tomada. Vou viver por ano para o deserto do Saara, El Oued
Sigo para a verdadeira Argélia e não para a Argélia onde a maior parte dos expatriados estão – na capital ou arredores no hotel Sherton com restaurantes normais, ocidentais e algum conforto. Eu vou para El Oued, no sudeste do deserto do Sahara, lugar que espelha a pobreza e a religião islâmica que tanto se fala.
Dizem me que é a decisão mais acertada, mas eu penso duas vezes. O tempo não para, mas neste momentos parece que anda ao ritmo de uma tartaruga.
Acordo cedo, abro a janela e vejo que está alto dia. É Janeiro, e uma camisa chega nestes dias.
Fomos para o centro de El Oued e reparei que só agora a fiquei conhecer. O centro é um mercado ao ar livre. Fervilha de vida e tensão. Milhares pessoas aos berros em todas as direcções formigam pelo labirinto de ruas e ruelas sujas das cidade. Toda a gente vende tudo e mais alguma coisa no meio da rua. Uns no chão outros não. Vejo a carne à venda ao ar livre em mesa de madeira lascada e rodeada de moscas, estranho o peixe que as vezes reparo que se vende no meio do deserto e fico baralhado com a quantidade de quincalharia que está misturada com a roupa usada em balcões gastos e sujos. Vou deambulando entre os berros e discussões árabes, entre as burkas, as barbas, a gente escura, os carros, as barracas, as carroças e os burros. A feira é a verdadeira selva. As carroças que passam entre os carros nas estreitas ruas acabam por derrubar algumas barracas. Depois discutem. Imagino perfeitamente uma destes burros a dar um encontrão nos "talhos ao ar livre", a carne cair ao chão (que escuso de descrever), e a voltar a pôr a carne em cima na mesa. São inumeras as situações, no mínimo, diferentes para nós. Nunca tinha visto nada assim, mas eles lá se entendem. La Paz, Peru, ou Marrocos é para meninos! Aqui ninguém fala francês pelo só com o nosso colega Kaddour, conseguimos comunicar, em árabe. Foi assim que compramos as primeiras coisas para a nossa casa.
O centro parece perigoso, mas não é. É só confuso. Sou um estranho para a maior parte das pessoas. Não há um único turista aqui. Aliás, não há uma única agência de turismo ou qualquer tipo de serviço para europeus. Só se fala árabe, a maior parte das lojas está em árabe. Para eles a vida é a Argélia, neste caso El Oued. O mundo acaba ali nas dunas ou nos campos de cultivo que todos parecem ter. Vivem nas condiçoes básicas e não precisam de mais nada. Sobrevivem. Mulheres há muitas, mas estão tapadas e cruzam-se comigo inúmeras vezes. A maior parte delas desvia os olhos, outras até se desviam. Seguem as regras religiosamente, e na minha opinião têm uma vida muito complicada.
É outra realidade, mas são felizes.
À tarde deixo o Paulo no “grande” aeroporto de El Oued (que só tem voos para Argel) e fui dar uma volta pelos arredores de EL Oued por uma estrada entre as dunas do Sahara até uma pequena e típica cidade aqui ao lado já perto da Tunísia. Encontramos com o um amigo do Kaddour, seu irmão e amigos. Agora estava sozinho entre todos os árabes e numa cidade que nunca sequer tinha ouvido falar, sem conhecer ninguém que dissesse uma única palavra em francês, e ainda sem confiança no meu colega que praticamente acabara de conhecer. Senti-me por vezes desconforatével naquela rua de areia com pouca luz entre o grupo de Argelinos mas ia-me habituando. De vez em quando o Kaddour lá ia traduzinho o que se conversava.
O amigo, levou-nos a conhecer umas ruínas árabes datadas do ínicio do seculo 18 rodeadas por palmeiras ainda mais antigas, que orgulhosamente e repetidamente me diz que aparecem no google earth. As casas, com as típicas cópulas para refrescar, feitas em areia, ainda se mantêm praticamente intactas. Imagino a vida dessas pessoas naquela altura. Se neste século, tudo isto parece o inicio do anterior, como terá sido há duzentos anos atrás. De seguinda convida-me para jantar em sua casa. – aceito. Jantei, numa sala cheia de tapetes, televião aos berros, no chão e com as mãos, concluido assim a dificuldade que tive de manhã para arranjar os talheres no mercado. Comida é típica da zona. Cuscus caseiro excelente e claro, só os homens. As mulheres estão proibidas de se sentar na nossa mesa. No fim trazem-nos uma bacia e um jarro, lavo as mãos e bebo o típico chá do deserto.
Admito que me senti meio desconfortavel no início, mas depois conclui que este povo, apesar de porco, selvagem e desorganizado, é hospitaleiro.
No hotel acordo sem stress e vou tomar o pequeno almoço calmamente. Vejo mais uma vez vejo o caco do dono que se passeia de pijama pelo seu hotel. Está acabado, caminha sem levantar os pés, é porco e tem o cabelo oleoso. Esta quase morto, tal como o hotel que gere.
Os jantares são sempre os mesmos neste hotel que se intitula de 4 estrelas (mas que cairam), os quartos estão normalmente sujos e gastos e com falhas por todos os cantos. Mas isso é à parte.
Pegamos na pick-up e fomos fazer a estrada para Biirskra visitar a zona das lagoas onde estão as salinas. Pelo caminho avisto camelos, uns vivos e outros mortos, muitas dunas de areia, pequenas vilas, pastores e as paisagens tipicas do deserto, onde a linha do horizonte se confundo com a areia. A zona das lagoas é espetacular. Metemos pela areia para ir até ao lago, por uma zona que não tem estrada. Lá verifico que esta zona é de facto admirável, digna de um local turístico, e sinto que talvez tenha sido o primeiro português a pisar aquela terra do planeta. À minha volta só constam duas cores. O azul do lag e do céu, e o amarelo da areia.
Continuamos a fazer a estrada e quando avistamos uma cáfila, paramos e fomos até lá falar com o pastor. Este, e todos os argelinos que vi, têm os dentes todos podres. Dizem que é do chá, do fumo, mas eu acredito que seja por não lavarem os dentes. O pastor, ali no meio do nada, olha para mim, oberva-me de cima a baixo. Creio que terá sido a primeira vez que viu ou falou com um europeu. Não sei.
Continuo a viagem pela recta sem fim.
O Kaddour vai-me dizendo que nesta zona do deserto existem uns pequenos petiscos que se chamam trufas, explicando assim o facto do meio do nada avistar duas ou três pessoas. Não exagero quando se anda uma hora sem ver uma única casa, e de repente, aparece duas ou três crianças. Umas delas acenam na estrada lá ao fundo. Ao que parece vendem esse tal petisco, mas quando paramos, percebemos que apenas queriam boleia. Demos boleia a 3 miudos, que todos excitados foram para a caixa da pick-up. Quando os deixamos na vila mais próxima, perguntamos por curiosidade o que tinham dentro do sacos, já que não eram trufas. Dois eles, muitos orgulhosos, metem a mão ao saco e sacam dois ratos, um deles vivo, outro já moribundo dizendo que hoje foram à caça e têm jantar.
Saha!