18/07/2009

A Norte........

Enquanto o Mundo se preocupa com o funeral de um cantor, ou com uma gripe praticamente inexistente que alimenta os bolsos de alguns magnatas, eu preocupo-me apenas com o calor. Ontem estiveram 46ºC. O calor traz um significado diferente à velocidade do tempo. Garanto que não é igual ao resto planeta. Condiciona não só a maneira como as pessoas vivem, que não me canso de insistir de que é literalmente no chão, como também o lento ritmo de vida. Eles estão habituados, mas eu não! Por isso, após um mês seguido aqui, começo a sentir formigueiros pelo corpo todo. Tem que sair daqui!. Foi o que fiz. Ou melhor, que tentei fazer. Decidi que este fim de semana iria à Tunísia. Para isso tive que conseguir uma procuração para passar com o veículo alugado, e claro, ter tudo o resto em ordem. No entanto, só cheguei à linha divisória dos dos dois países. Só espreitei o país vizinho. Tal como se fica à porta de uma discoteca, eu fiquei à porta dum país. Morri na praia. Cheguei inclusivé a ter o passaporte carimbado que entrara na Tunísia, mas quando cheguei aos serviços aduaneiros, informaram-me que teria que ter o Visto de Residência Argelina para poder conduzir um carro alugado de matrícula argelina fora do país.

Sentado num banco de madeira vou esperando as noticías da "apeadela". Atrás de mim uma cópia de um aviso. O único nesta fronteira. O da famosa gripe suína - Sorrio e penso: Passam por aqui inúmeras bombas, terroristas e doenças que todos os dias que matam milhares, como a tifóide, as hepatites, ou simplesmente a pobreza que resulta das "sábias" decisões de pessoas, e o único aviso que vejo aqui é o da gripe suína, que resulta dum animal que é proibido neste país.! Enfim....

Noutro continente já passei fronteiras com “gratificações”, mas aqui não podia arriscar essa afronta. As soluções escasseavam. Conclusão – A Argélia adora-me e não me deixa sair daqui. África tem destas coisas.
Ainda pensamos em deixar o carro ali, passar a pé, apanhar um táxi e depois alugar um carro, mas o facto de não possuirmos dinares tunisinos, estarem 45 ºC e localizar-me simplesmente no meio do deserto, fez com que tomássemos a decisão de ir dar uma volta, mas pela Argélia.





De carro e sem mapa, fomos para Norte, como que à procura de não sei bem o quê. Talvez de ares mais frescos, de aventura, ou simplesmente porque não queríamos voltar ao buraco de El Oued. Basicamente fomos conhecer um pouco melhor o 11º maior país do Mundo. A estrada era mais uma daquelas rectas que de vez em quando cruza pequenas vilas, estas ainda mais pobres do que tenho visto. Vivem apenas da agricultura e do comércio base. Olham-me estranhamente. Todo o visual faz-me lembrar que é neste tipo de sítios que os terroristas responsáveis pelos atentados de há duas semanas devem estar escondidos. As patrulhas policiais são muitas e com carros blindados, mas eu já me habituei à presença destes amigos. O que não me habituei foi a estar meio perdido em locais como este onde praticamente sou “surdo” e analfabeto. Agora posso dizer - “Mãe, se me acontecia alguma coisa ali no meio, estava bem lixado!”
Foi muita a estrada percorrida, muitos km, quase sempre numa recta até chegar à zona das montanhas. Horas sem ver ninguém. Quase adormeci e me espetei contra uma barreira policial de tanta monotonia que a estrada é. Não fosse o Nelson a dizer “Oh, Oh!, tu tem cuidado, Fod***, agora vou eu a conduzir!”, e estaria com algures na Argélia a ser tratado.
Informações erradas ou placas de indentificação mal colocadas fez com que fizéssemos um km a mais. Normal. Encontrar alguém com quem conseguisse comunicar já era uma aventura, e quando conseguia, simplesmente era enganado, que acredito que não fosse por mal.
Acabamos por chegar a Batna, uma cidade a norte. Esta não tem nada de especial, mas pelo menos é limpa, asseada e tem ruas de alcatrão. O centro é acolhedor e até agradável, mas em dez minutos, está visto! Fomos perguntando e encontrei uma agência de turismo que me arranjou finalmente um mapa da Argélia, mas datado de 2001. Normal. Descobri que aqui bem perto existem dois locais património mundiais da Unesco. Umas ruínas romanas, gigantescas – Timgad, e os "Balcons de Ghoufi", que é um canion simplesmente espantoso.
Timgad, a cidade romana construída 100 anos d.c, ainda se mantêm intacta e distingue-se perfeitamente o teatro, que chegou a ser o maior de todo o mediterrâneo, o arco do Trajano construído com pedras do Egipto e por franceses, os túmulos, as casas, as ruas, etc. Foram inúmeras as guerras entre Berbers – conhecidos na altura pelos vândalos do deserto, Árabes e Romanos, e as ruínas estão intactas. É incrivél este local. As ruas e as casas está em perfeitas condições notando que aqui se passou muita história, muitas guerras. As formas rectangulares das casas e vista para uma lagoa, fazem com que este local seja especial. Uma viagem no tempo, que escuso de entrar em detalhes, mas que aconselho para quem gosta.





Agora já tinha mapa (de 2001!) e até indicações de um Hotel com piscina a caminho do Canion. Falei duas vezes para o Hotel para me certificar que tinha piscina, mas quando lá cheguei, reparei a piscina está lá, masque não tem água. Normal. Assim decidi que não ficaria ali, nem mais um minuto e seguimos...Continuamos agora por estradas no meio das montanhas até chegar a Ghoufi. Finalmente as paisagens secas e áridas do deserto foram substituídas por montanhas, vegetação e até um pouco de chuva. Ainda demoramos pelo menos 3 horas em curvas sinuosas até lá chegar. Passamos buracos, campos de cultivo, pastores e muitos casamentos! Foi o um dia que mais casamentos vi. Aqui no norte festejam-nos de uma maneira um pouco diferente do que mais a sul onde moro. Também estão fora dos carros aos berros, batem palmas, fazem barulho, etc, mas há também os espertinhos que andam aos tiros com caçadeiras ou espingardas. Dão tiros para o ar com o carro em andamento. Questiono-me de qual será a piada de levar uma caçadeira para um casamento. Será que telefonam ao amigo: "Olha, levas tu ou levo eu a espingarda!?" - Da mesma maneira que não entendo porque é que só os homens vão para as dunas dançar sozinhos ao som do rádio reles do carro, ou porque é que eles passam a vida no chão ou mesmo do que conversam quando lá estão, esta é outra coisa que nunca irei saber a resposta, mas que faz parte desta cultura tão diferente da nossa.





“Balcons de Goufi”, é um espanto. Valeu a pena fazer estes quilómetros todos para ver este canion. É difícil explicar, mas o canion é como se fosse um vale onde no centro está um oásis. O verde da mata do oásis lá no fundo contrasta com o castanho seco das paredes verticais que o rodeiam. Nestas, existem ruínas de casas que provam que ali viveram, e dizem ainda viver, os Berbers. São inúmeras casas e ao longo de 90 km. Este inóspito local não é bonito pela grandeza do canion que tem apenas 1200 m de altura, mas sim pelo facto de existir um oásis no fundo da montanha em perfeita harmonia com as antigas vilas que situam nas paredes. Dizem ser um local visitado por muitos famosos, e eu acredito apesar de falta de serviços e infra-estruturas turísticas na zona. Percorrer os caminhos entre as ruínas e parar um bom bocado nos inúmeros miradouros que ali existem, fazem com este local fosse digno de ser turístico. Fez-me por vezes lembrar o que senti em Machu Pichu no Peru, mas numa dimensão mais pequena e num contexto bem diferente. Vejam bem..MP é uma das Sétimas Maravilhas do Mundo....
Pergunto-me como é possível em 2009 um lugar histórico deste calibre, estar tão abandonado...





Voltamos por Birkra, fomos parados, quase obrigados a andar com escolta, perdermo-nos de noite, mas acabamos por voltar a Oued Souf.

Mais uma vez fico com a certeza que este país tem um potencial turístico gigantesco que muito turista adoraria ver, mas faltam condições!. Ficam novamente o convite, para quem não se importa de deixar o conforto físico para trás....








NORMAL!

O uso desta palavra neste país começa a deixar ligeiramente nervoso. Ela é usada em todo o tipo de situações. Penso que é das poucas palavras que pronuncia da mesma maneira em Português, Francês e Árabe. Se eu perguntar “Como é que se vai para Biskra?”. Resposta - “Normal”. “Qual é a melhor estrada?” Resposta - “Normal. “A que horas é que nos encontramos”? Resposta: Normal. “Isto é preto ou branco?” Resposta: É Normal!.....Quando não sabem a resposta, dizem Normal.
Digo-vos, já perdi anos de vida com uma palavra. Em situações de stress, quando as coisas não estão a funcionar e no fim ainda me respondem “normal”......Enfim, tenho apreendido a ter paciência!
Já acho normal rir-me quando me respondem normal.

Noutro dia uma camioneta encostou-se à minha carrinha e partiu me o retrovisor. Saí e tentei comunicar com o árabe. É impossível. Depois de muita discussão de gestos, do ambiente até ter ficado tenso quando disse que ele teria que pagar, o árabe pega no retrovisor partido e tenta encaixar. Mesmo partido ele até se segurou. Ele olha para mim e diz: – “Normal, Normal...” Foram as únicas palavras que entendi durante os 5 minutos que tentamos discutir. Fiz novamente o sinal que ele teria que pagar e ele saca-me o papel com o numero de telefone que me tinha na mão, e chama mais amigos. Eu sozinho, comecei a ver que poderia dar para o torto.
Conscientemente, pirei-me!
Normal.