12/08/2009

Preciso que lembrem que tenho sorte....

Penso que o que vou escrever, escrevo porque sei. Escrevo porque vivo aqui. Escrevo porque sei do que falo. Não escrevo porque visitei, me contaram ou li. Escrevo porque posso falar sobre um dos local mais inóspitos do planeta, que só se conhece quando é vivido e não visitado. Tento descrever o que por vezes é indescritível. Tento falar sobre o que vem para lá o imenso mar de areia que me rodeia, mas de facto, não consigo.
Em Outubro faz um ano que visitei pela primeira vez esta zona. Nessa altura, o choque cultural enevoava as minhas tentativas de descrições. Irritado, criticava e lamentava sustentado no cepticismo que circulava no meu sangue. Agora habituei-me e vivo a rotina de uma civilização com um contraste abismal da nossa, contemplo as paisagens enigmáticas e radiosas que me rodeiam, os hábitos das pessoas, e absorvo de maneira diferente.. Tento escrever aquilo que sinto. E sinto que sou das poucas pessoas que posso falar sobre esta cultura conservadora muçulmana pautada pela temperatura, abarcada no deserto do Sahara, e iluminada pelo incansável Sol que insiste em ser cada vez forte. Já tentei descrever a imensidão do silêncio do deserto, o frenesim das Sextas-feiras santas no mercado do centro, mas acreditem, é difícil
Acho que escrevo (ou melhor, tento) porque gostava de poder transmitir o que se sente no deserto. É nada. É vazio. É absoluto. É imponente. Sei lá! Não consigo. Talvez mágico? Escrevo porque gostava de contar que, apesar das dificuldades, sinto-me um sortudo por ter o privilégio de ver o nascer do sol atrás de gigantes dunas do Sahara no dias mais claros. Escrevo porque tenho a necessidade de partilhar a magia do silêncio sepulcral dos meandros do deserto acompanhado das milhares de estrelas que brilham no céu que raramente tem nuvens. É grande e fascinante. Entendo porque me dizem que quem conhece o deserto do Sahara, nunca mais volta a ser o mesmo. Entendo estas frases feitas agora.
O trabalho e as dificuldades do dia-a-dia fazem-me por vezes esquecer o que está à minha volta. É preciso que me lembrem de vez em quando que tenho a sorte de presenciar estas coisas.
Aconteça o que acontecer, esta estadia está a mudar a minha vida, fez-me crescer e entender que a tolerância, o equilíbrio ou a serenidade são conceitos importantes. Fez-me perceber que o fim temporada é o inicio de uma outra. Fez-me perceber que preciso de conhecer o resto do mundo e conhecer novos valores para evoluir como pessoa.

Estamos em Agosto a poucos dia do Ramadão. A vida começa às 05.00h. Pela rua, pelos cafés, nas padarias, tudo está aberto. A rotina de um mais um dia destas pessoas já se sente quando no resto do mundo só se pensa em dormir. O Sol nasce e a temperatura triplica. Normalmente chega passa dos 46ºC e nos dias piores estão 50ºC. Tudo fecha às 10.00h, quando tudo está a abrir em Portugal. Voltam a abrir às 18.00h, quando o sol se começa a pôr e tudo está a fechar em Portugal.

Por mais que tente escrever o que é este local, não consigo. Não tenho habilidade para tal, mas a humildade suficiente para o admitir. Sou novo. Precisamos de crescer. É preciso que me lembrem e já agora, me expliquem, como é que se pode descrever o que vem para além do nada?